Existisse o acaso, diria que tornei-me são paulino por causa dele. Não sendo este o caso, lembro sempre da camisa que ganhei, quando criança, de meu avô: a 10 de Raí.
Aqui é preciso dizer que nossa relação sempre foi distante, ele lá, eu cá. Ele não é um homem dado a demonstrar muitos afetos; sua criação é do início do século passado, seja para o bem ou nem tanto. Então, quando ganhei de meu avô a mágica camisa 10 de Raí, e ele me convidava para ficar até tarde da noite para ver o São Paulo de Telê Santana jogar, meu coração se enchia de algo mágico.
Eu me sentia amado pelo meu avô. Adulto por ficar até tarde da noite assistindo TV e feliz, feliz demais por cada sorriso que meu avô dava em cada vitória do São Paulo. Sim, isso quer dizer que naqueles tempos meu avô sorria muito. Hoje… deixa pra lá.
Mudam-se os tempos, mas não a paixão. O futebol lindo da era Telê – que acredito, jamais se repetirá em nenhum clube brasileiro – se vai e após anos de amargura, Muricy Ramalho nos faz sorrir de novo, mas de uma outra forma. Era um time que, ok, não jogava tão bonito quanto na época mágica dos anos 90. Por uns tempos nosso 10 era o Danilo. Na área contávamos com Aloísio e Leandro. Lá na zaga um jovem Miranda dava – e muito – conta do recado.
Mas aquele foi um time que trabalhou e trabalhou e trabalhou.
E venceu e venceu e venceu.
O São Paulo de Muricy com três zagueiros, levou três vezes o Brasileirão. Feito até hoje único.
Nesses dois técnicos nós podemos entender a alma do São Paulo, algo tão pouco valorizado no futebol de hoje em dia, me parece.
No Clube de Fé, aonde a moeda cai em pé, não basta ser vencedor, porque isso sempre fomos desde sempre: no nosso DNA também é importante o como se vence.
É preciso o cuidado de um Telê curvado sobre o gramado do centro de treinamento do São Paulo a catar paquinhas, aquele grilo que devora a raiz da grama, para que não se crie buracos no campo que atrapalham os passes que ele ensinava aos jogadores. É preciso a raça de um Muricy, lembrando que as coisas não estão boas apenas porque se ganha jogos e repetindo mil vezes que não se faz mágica no futebol; no futebol se trabalha.
Tanto na alma do São Paulo, como na nossa, está esse cuidado e essa raça com o clube que tanto fez meu avô sorrir.
E por isso Daniel Alves nunca foi e nunca será um de nós. A ele sempre faltou raça e cuidado com qualquer coisa além de sua carreira.
Dani Alves joga por ele e para ele, e está ok assim, cada um joga como quer. A ele importa os muitos troféus de sua inegável carreira muito vitoriosa. Repito: está tudo bem assim: que ele receba aplausos, méritos e honras por isso.
Mas para nós não basta troféus e medalhas, é preciso cuidado e raça. E isso, no nosso tricolor, sempre faltou da parte de Dani Alves.
A começar por exigir jogar com a 10 de Raí, na posição de Raí, como se Raí fosse, ainda que nunca tenha sido nada, nem próximo de Raí.
Para Dani Alves o São Paulo foi um trampolim no qual ele se viu ganhando aplausos por ser tão bom jogador que faria o que bem quisesse com os adversários no meio de campo. O que hoje sabemos, ficou longe de acontecer. Dani Alves no meio campo foi um jogador medíocre.
Faltou a ele a raça de, nos momentos difíceis que o São Paulo viveu em sua passagem, dar a cara e dizer para o torcedor e para o clube a que veio. Tivesse ele o cuidado de Telê, seria o primeiro a falar e melhorar. Tivesse ele a raça de Muricy, a resposta seria óbvia: trabalho, trabalho, trabalho. Não sendo, restou o batuque.
As imagens dele brincando, sambando e cantando enquanto o São Paulo amargurou a zona do rebaixamento este ano dizem muito sobre o ser humano Daniel Alves.
Uma pessoa que tirou, muitas vezes o sorriso do rosto do meu avô e de muitos outros são paulinos, meu incluso.
Mas ok, ele se foi, e em breve será como se nunca tivesse sido.
Sua permanência no nosso amado tricolor serviu para mostrar apenas uma coisa: que é possível ser incrivelmente vitorioso e ainda assim, um perdedor.
Por: Rafael Oliveira, filósofo tricolor.