Uma trajetória humanizada para devolver o protagonismo

Foto: Rubens Chiri

Desafiado desde o primeiro jogo

Foi anunciado numa quinta-feira, chegou e treinou o time na sexta, viajou no sábado e domingo já estava na beira de campo, contra o Flamengo de Jesus embalado e sintonizado por um Maracanã lotado. Sua história com o São Paulo e contra o Flamengo começava ali. O resultado? Um empate, o único time na competição a não levar gol do rubro-negro em seus domínios.

Mas o resultado final não deve ser a pauta deste texto e de sua carreira até aqui, tampouco o que virá nos próximos dois meses.

Dirigir o São Paulo há oito anos na fila é um trabalho árduo para qualquer treinador, a bagagem que se soma a cada apito final será como uma escalada sem fim, se o ciclo assim se permitir viciar. E é no trabalho que Diniz se constrói.

“A gente joga futebol desde criança e às vezes falta a parte teórica. Nós nunca sentamos na sala de aula para aprender o que é o futebol. Ele é um professor, porque ensina realmente cada coisa que tem de fazer, por que fazer e por que não fazer. Cada movimento é bem pensado. Então tem sido bem intenso, mas ao mesmo tempo legal”, disse Hernanes, em entrevista ao Grupo Globo uma semana após a chegada de Fernando Diniz, em outubro de 2019.

O professor, o psicólogo e suas criaturas

Foto: Reprodução spfctv

O lado didático de Fernando Diniz, levantado por Hernanes, conversa com sua formação acadêmica. O psicólogo sempre deu atenção ao lado humano dos atletas.

“Os jogadores vão à escola mais para passar de ano do que para aprender. Ele tem que jogar bem para agradar os diretores, agradar o pai, a mãe, agradar aquele time. Ele está pressionado a fazer alguma coisa e ser aceito. Isso para o ser humano é muito ruim”, disse Fernando Diniz ao programa Bem Amigos, no SporTV.

Com eliminações tidas como vexatórias no Paulistão e ‘copas’ Libertadores e Sul-Americana, nada muito diferente da última década tricolor, o treinador foi massacrado por parte da torcida e teve respaldo de pouquíssimas pessoas dentro do clube, uma delas foi Raí, diretor-executivo. Seja por questões políticas ou por conhecimento do ambiente e cotidiano do trabalho realizado (ou ambos), Diniz ganhou sobrevida no Morumbi.

Diniz tenta tornar o ambiente do futebol mais saudável, focando na recuperação e desenvolvimento dos atletas. Cita a “maquininha de moer gente” que é o esporte, e firma compromisso com o trabalho e dia a dia na profissão.

O treinador, inclusive, trouxe jogadores de seu conhecimento e convívio no ex-clube, Luciano e o prata da casa Brenner, com passagens pelo Fluminense. Hoje, ambos são responsáveis diretos pela fase artilheira do ataque tricolor.

O comandante também acreditou em Gabriel Sara, que oriundo da base sofreu em seus primeiros jogos e atualmente vive grande fase e ótima adaptação ao estilo de jogo. Mais tarde, foi com Luan que encontrou o equilíbrio da equipe, dando a consistência que o setor defensivo carecia, além de uma maior liberdade criativa ao fundamental e luxuoso meia Daniel Alves. A liderança do craque também contribuiu para o respaldo e permanência de Diniz.

Fato é que, aos poucos, as peças do elenco entram na saudável engrenagem de Fernando Diniz, que coloca o São Paulo novamente nos trilhos para brigar por algo maior na temporada. Com treinos e jogos, de eliminações até o convencimento e pacto com a torcida nos duelos contra o Flamengo, criou-se uma unidade e ‘casca’ no Morumbi.

Campo a parte, as relações interpessoais e o mental do time desfrutam de uma pessoa que não é somente técnico, mas sim um psicólogo.

Por falar em Flamengo

Voltamos ao time do primeiro desafio. Aqui se deve um recorte especial. Um corte na verdade, o do cordão umbilical da torcida com um possível e futuro próximo treinador, o ídolo Rogério Ceni. O ex-goleiro e técnico não só ficava na memória vitoriosa como era quase certa sua ida ao comando tricolor no início do ano que vem, comprometendo e colocando pressão na trajetória de Fernando.

Seu destino foi o rival do Rio pela Copa do Brasil. A torcida então se viu na obrigação de cortar esse laço de afeto e colocar a instituição como a prioridade que sempre foi, apoiando o atual comandante, como vimos no embarque da equipe para o primeiro duelo das quartas de final da competição (11/11), no Rio de Janeiro, e também na calorosa recepção daquela quarta-feira (18/11), no Morumbi.

A trinca contra o atual Campeão Brasileiro e da Libertadores resultou em um literal abraço da torcida com Diniz, sob chuva, após o 3 a 0.

“Toca a bola. Se vai errar, fod***. Não é pra ficar com receio de jogar, caral**.” A fala de Diniz para Luan, durante o último jogo contra o rival em questão, é uma síntese do trabalho do treinador. É a transmissão de sua essência de jogo, sem o medo, a pressão e mentalidade de errar, evoluindo em outros aspectos dentro de campo.

Foto: Reprodução Twitter

São Paulo, São Paulo, São Paulo

Quando se grita São Paulo na arquibancada é entoada sua história, como se a força da camisa também desse tom à voz. Sem a torcida, podemos escutar diversas vezes durante os jogos Diniz bradar o “Vamos São Paulo”. O sentido é o mesmo, além de incentivar seus jogadores, lutar pela volta desse orgulho.

Talvez o São Paulo que parou no tempo, de seus títulos e gestões exemplares, precisasse justamente disso agora com Diniz, tempo.

Após o jogo contra a estrela solitária, o São Paulo se firma de vez como protagonista na busca por sua mais desejada, e sétima, estrela.

Lucas Capeloci (@spfcape)

Lucas Capeloci

24 anos, talvez o dobro disso desfrutando da catarse do futebol em gerações passadas. Jornalista que gosta de histórias, cotidiano, tecnologia, esportes e sua diversidade.

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.