Antes daquele Dia das Mães, eu mal via futebol direito. Minhas lembranças antes daquele dia, por sinal, são escassas. Lembro, porém, que já via automobilismo – Fórmula 1 e a CART, aqui chamada de Fórmula Mundial. Também lembro vagamente da morte do Mamonas Assassinas – a tragédia que marcou quem era criança na minha geração. Falando em tragédias: Fokker 100 da TAM caindo no Jabaquara, morte da Princesa Diana (como se esquecer de Elton John cantando Candle In The Wind?). Para quem nasceu em março de 1992 até aquele 10 de maio de 1998, até que é bastante coisa.
Lembro que, no dia anterior àquela final (e na manhã do jogo, também), os noticiários estavam em polvorosa. Um tal de Raí tinha voltado pro São Paulo. “Um dia antes do jogo? E ele ia jogar? Que coisa louca, eu, hein”, pensei. Não entrava na minha cabeça o fato do meu pai estar adorando aquilo. Como que ele apoiaria um cara que chega da França horas atrás tomar a vaga de outro que já estava no elenco? Doideira demais pra minha inocente criança de seis anos de idade.
Aquele jogo tinha tanto cartaz que eu parei pra ver. Meu pai, que acompanhava o jogo, estava visivelmente mexido. Pipoca feita, as cornetas de sempre a cada passe errado, eu achando graça. Um Sol brilhoso, minha mãe também vendo o jogo – o Dia das Mães pedia algo familiar naquele sofá vermelho e aquela TV cinza de 29 polegadas de tubão cinza.
Eram 16h30, mais ou menos quando veio a maior explosão de alegria que eu já vi o sr. Marco Aurélio, meu pai, ter na vida. O São Paulo já era melhor – instantes atrás, o próprio Raí perdeu um gol feito. O Corinthians contra-atacava bem, mas o SPFC era melhor. Mas, aí, Zé Carlos cruzou da ponta direita, França não conseguiu centrar a casquinha e o Terror do Morumbi mostrou que é possível fuzilar com a cabeça:
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Os segundos seguintes, entre dez e quinze, guardam uma sequência de fatos que marcariam a minha vida pra sempre:
- A narração do gol, de Galvão Bueno, (“Parece que nasceu com o destino de fazer gols importantes pelo time do São Paulo”) me mataria um daqueles mistérios. Se essa foi a narração, ele já deve ter feito alguns gols importantes pelo SPFC
- Minha mãe falava alguma coisa em um tom acima da voz que eu não conseguia entender (e nem ligava muito, pra ser sincero)
O fato que eu mais lembro, porém, foi o do lençol – que estrela o título desse texto junto com o gol de Raí. Aliás, o leitor mais atento já percebeu a diferença: o gol. Lençol tem vários, meu pai pegou um deles na história que contei a seguir – minha família já teve dois, três ou quatro lençóis do SPFC, por sinal. E eu sempre digo que aquele jogo, aquele título, me fez são-paulino. Mas, em especial, o gol de Raí. E muito por conta do lençol.
Mas… o que raios um lençol tem de tão importante na minha vida? Um lençol bem humilde, por sinal: quatro escudos do São Paulo na diagonal, com a ponta mais abaixo do símbolo apontando para o centro. Ao longo do lençol, vários escudos como marca d’água. Bonito, mas nada de mais. Como ele entrou para a história?
Aquele lençol estava cobrindo uma das camas de casa quando o gol saiu. Meu pai, que deu um grito absurdo quando o gol foi marcado, ficou alguns poucos segundos sem reação. Nisso, ele viu pela janela um helicóptero – diz ele que era um Globocop, o que faz sentido, já que, no Morumbi, a Globo utilizava um dirigível para fazer imagens aéreas. (Sim, existiam imagens aéreas naquele tempo; e que saudade do Zepelim e de uma transmissão decente de futebol).
Em um ato-reflexo, meu pai correu e buscou aquele lençol do São Paulo na cama. Ele colocou o tecido inteiro para fora da janela, mostrando o lençol para o helicóptero.
Aquela imagem nunca foi ao ar em televisão alguma. Muito provavelmente, nem gravada foi. E nem precisava, na verdade. Ao ver aquela sequência de fatos, em (bem) menos que um minuto, eu fiquei pasmo. Pensei algo como “Nossa, futebol deve ser um negócio bem legal, mesmo”. A partir dali, passei a acompanhar o esporte, independentemente se meu pai estivesse comigo ou não.
Até porque, pouco tempo depois, meu pai desanimou. Logo na quarta rodada do Campeonato Brasileiro daquele ano, Raí sofreu uma gravíssima contusão no joelho no duelo contra o Cruzeiro. Dali pra frente, acompanhei boa parte daquele Brasileirão (e aquele time do segundo semestre era bem complicado de se ver, acredite) sozinho.
O resto é história.