OPINIÃO: Decepcionante não é (necessariamente) ruim

Pensar no 2022 do São Paulo é impossível sem relembrar de 2021. Voltando um ano a mais no tempo, o clube que saiu da fila tinha acabado o ano com remotas chances de Libertadores após brigar fortemente contra o rebaixamento. A montanha-russa de emoções acabou em viés de baixa, e a torcida estava desacreditada para a temporada vindoura.
Ao parágrafo anterior, é necessário fazer um aparte: sim, saiu da fila. Foi campeão. Levantou taça. Entendo quem chame o torneio de Paulistinha e desdenhe do estadual, mas um time que não ganhava nem regional de par-ou-ímpar precisava do caneco. Pra mim, foi importantíssimo.
Outro fato que não tem sido frequente no São Paulo desde 2019 marcou 2021: a troca de técnico. Crespo, o campeão, foi demitido dias depois de Rogério Ceni, ~estranhamente~, ter sido visto no Morumbi.
Sobre a diretoria eu falarei bastante ao longo desse texto. Aqui, quero seguir em 2021 e focando em Rogério Ceni: o time extremamente estável de Crespo, dificílimo de ser vencido e que sofria com lesões, se tornou uma equipe fortíssima em casa e presa fácil fora dela. O aproveitamento de pontos semelhante deixava claro que a troca não adiantou de muita coisa.
Era óbvio que Rogério Ceni voltaria ao São Paulo em breve. Julio Casares e Muricy Ramalho são fãs do M1TO. A troca de comando, entretanto, me pareceu precoce demais para um time que não terminou rodada alguma na zona de rebaixamento. Mas o 2022 seria com ele, no fim das contas.
E começou com atuações sofríveis. Derrota para o Guarani, empate contra o Ituano em casa, mais uma derrota absolutamente maluca contra o Red Bull. Até aquele momento, até a força do São Paulo no Morumbi não existia mais. Aí veio o gol agônico de Marquinhos contra o Santo André e a famigerada coletiva da água na piscina.
        
Completamente de repente, o time começou a ganhar de todo mundo que não se chamasse Palmeiras e passou a lotar estádios Brasil afora – a torcida, antigamente brigada com o treinador após declarações dele quando treinava o Flamengo, fechou com ele. A primeira derrota pro rival foi perdoável, a fase era boa. A segunda foi o primeiro grande vexame de 2022.
Aqui, é necessário (voltar a) falar de Rogério Ceni. Já antecipando a minha principal crítica e ele: a insistência em querer propor jogo toda partida sem importar as circunstâncias é algo que me irrita profundamente. Quem, em sã consciência, escolheria ir para o ataque contra o Palmeiras precisando de dois gols? Quem escalaria um time tão jovem? Só ele. E, (muito) por causa dele, perdemos o nosso quarto bicampeonato paulista.
Foi preciso superar o trauma rápido. E, convenhamos, a sequência foi razoável. Um ótimo começo no Brasileirão e na Sul-Americana (com um grupo que foi uma bênção para o Time da Fé) voltaram a dar esperança. Mas Rogério Ceni seguia aprontando das suas. Após uma partida tenebrosa contra o Juventude em Caxias do Sul (Copa do Brasil) e atuações terríveis do técnico contra Corinthians, Avaí e Palmeiras (Brasileirão), as críticas voltaram (e com razão).
Eis que veio um novo confronto eliminatório contra o Palmeiras, na precoce oitavas-de-final da Copa do Brasil. Após encaixotar no Morumbi e só fazer 1×0, o São Paulo sofreu e contou com Raphael Veiga, a famosa incompetência alviverde nos pênaltis e com a arbitragem para avançar.
Vieram, depois, mais eliminatórias agônicas. Já estabilizado no Brasileirão e após um confronto quase que protocolar contra a Universidad Católica na Sul-Americana, Ceará, Atlético Goianiense (pela Sul-Americana) e América (Copa do Brasil) trouxeram dificuldades imensas, por inúmeros motivos.
Finalista da Sul-Americana, semifinalista da Copa do Brasil e eternamente no meio da tabela do Brasileirão, a prioridade já estava clara. Se Rogério Ceni seguia errando e a diretoria seguia sem conseguir pagar os salários atrasados, ao menos tínhamos um norte e, pasmem, metas esportivas do orçamento batidas. Se a Copa do Brasil era tarefa dificílima contra Flamengo, Corinthians e Fluminense, a Sul-Americana se apresentava como uma opção bastante acessível.
Contra o Flamengo, convenhamos, não dava – e a irritante mania de ir pro ataque nos tornou presa fácil, embora a eliminação não tenha sido traumática. Já contra o Independiente del Valle… o segundo vexame veio. Basicamente sem entrar em campo, o 2×0 sepultou o ano de maneira bastante triste.
Até houve tempo para uma pequena reação, é verdade. Mas, adivinhe: resultados ruins em casa contra Botafogo, Atlético Mineiro e Internacional (com escolhas bastante contestáveis de Rogério Ceni, que deixava o futuro dele em xeque no clube) nos impediram, mais uma vez, de chegar à Libertadores.
O título desse texto ficou perdido por aqui, creio eu. É necessário explicá-lo. Se me falassem que o São Paulo chegaria a duas finais, à semifinal da Copa do Brasil e ficaria no meio da tabela do Brasileirão eu acho que aceitaria – logo, ele não é necessariamente ruim. Não tenho muitas ilusões com o SPFC, e ser competitivo já me parece uma prova de honradez pra um clube cada vez mais chafurdado em dívidas e cada vez menos ciente da sua grandeza. O problema são as circunstâncias: 4×0 para um rival em uma final, não jogar nada em duas decisões e um final de ano com tantos socos no estômago é cruel demais.
Se há algo a se salvar de 2022, mais uma vez, é a torcida. Lotando onde estava em boa parte do ano, não é ousadia alguma dizer que o time teve resultados expressivos muito por conta de quem se esgoelou na arquibancada. Não à toa, a decisiva queda de rendimento pós-Córdoba já não tinha adesão maciça dos torcedores.

E 2023?

Assim como 2021, 2022 acabou com viés de baixa. Mas, se 2021 e 2022 foram anos diferentes com finais semelhantes, o encerramento de cada um deles teve nuances depressivas diferentes. Em 2021, era um alívio após um susto; em 2022, foi a impotência após a ilusão.
Eu sempre gosto de fazer um exercício envolvendo porcentagens: distribuir culpas e méritos por algo entre duas ou mais partes – desde que o resultado final, obviamente, dê cem. Quando penso no 2022 do São Paulo, minha porcentagem de culpa fica da seguinte maneira:
– 50% diretoria
– 40% Rogério Ceni
– 10% jogadores
 
A diretoria, grande responsável por essa década horrorosa do São Paulo, seguiu fazendo das suas em 2022, é claro. O elenco era grande, mas tinha buracos evidentes. O sucateamento da fisiologia e do departamento médico são evidentes há tempos, tal qual a estrutura muito aquém dos rivais. A base, outrora boia de salvação, nada ganhou em 2022 – apesar de ter cedido jogadores de baciada para a equipe profissional, é bem verdade. A gestão de contratos, com salários exacerbados para muitos e durações absurdamente pequenas para jovens (como os casos de Marquinhos e Luizão) já se tornou crônica. E é sempre importante destacar que o último grande rompimento na diretoria são-paulina aconteceu em 2002, com a chegada do saudoso Marcelo Portugal Gouvêa. Desde o primeiro golpe presidencial do SPFC (em 2009, quando Juvenal Juvêncio ganhou mais um mandato na mão grande), os cartolas tricolores, que sempre foram marcados pela vanguarda, se tornaram completamente ultrapassados.
Julio Casares, é bem verdade, tem lá seus bons predicados. O marketing são-paulino melhorou, as contas em 2022 fecharam no azul depois de sabe-se lá quantos anos. Mas é muito pouco pra um clube que quase sempre foi de vanguarda. Se conformar com migalhas é algo que eu me acostumei em campo, mas nunca vou me acostumar quando elas são causadas por um restritíssimo grupo de ricos que não conseguem sequer fazer homenagens decentes a minorias, por exemplo.
E, se Casares tem seus bons predicados, ele também tem vergonhas únicas: a foto fake homenageando Roberto Carlos é algo que foge da minha compreensão. A homenagem bizarra a Pelé idem. A extrema exposição após bons resultados e o sumiço após partidas ruins idem. Por fim, a coletiva em que ele falou firme para, basicamente, subjugar o futebol do clube a Rogério Ceni após uma derrota idem – é impressionante o quanto o presidente tricolor não tem timing nenhum. E, aqui, começo a falar, pela última vez, do treinador.
Era óbvio que Rogério Ceni voltaria ao São Paulo em algum momento. A demissão de Crespo foi uma queima de cartucho precoce e altamente desnecessária. Não dar uma temporada inteira para o único cidadão na face da Terra que conquistou um título na casamata são-paulina foi um ato covarde da diretoria. Diretoria essa que, repito, é fã de um contratado. Como pode o chefe não ter moral alguma para cobrar um colaborador? É isso que acontece no São Paulo. E isso ficou claro em diversos momentos – alguns deles, até mesmo antes de 2022.
Quando o famoso áudio vazado de Muricy Ramalho tornou-se público, ficou claro que algo precisava acontecer. A diretoria se dobrou sem contestação alguma e contratou vários jogadores que Rogério gostava. Sem sequer exigir explicações sobre o que foi dito. Embora a decisão seja unicamente uma escolha, já dava um indício do que viria dali em diante.
Pensando com a cabeça de Rogério Ceni, parte da sua relação com a diretoria é compreensível e parte é cômoda. Ele faz o que quer sem ser cobrado e pode, por exemplo, expor as vísceras de um clube em que a fisioterapia só funciona em meio período. Talvez seja até melhor que o comandante seja Rogério Ceni ao invés de Julio Casares e Carlos Belmonte, por exemplo. Nunca vou entender, porém, porque Muricy Ramalho não se impõe como é de seu feitio.
A beira do campo, entretanto, Rogério Ceni tem duas fases bem distintas. Ele prepara o jogo extremamente bem. Os ótimos desempenhos do São Paulo em primeiros tempos ao longo de boa parte da temporada deixaram claro o quanto ele é estudioso e tem potencial, sempre antevendo o que o time adversário prepava. O problema acontece quando as nuances de uma partida aparecem. Quando o treinador adversário começa a mexer taticamente, Rogério se perde. O número de vezes que o SPFC entregou uma partida em que saiu ganhando é uma vergonha.
Tenho para mim que isso acontece porque Rogério se recusa a ser trivial. Ele quer sempre jogar bonito e ofensivamente, não importa se está chovendo, se está com dois jogadores a menos ou se a equipe adversária é mais forte. Isso é lúdico, não é eficiente. Nos últimos anos, os treinadores que deixaram mais saudade no clube foram, justamente, os triviais: Diego Aguirre, Edgardo Bauza, Muricy Ramalho e Hernán Crespo. Se o ego de Rogério Ceni não é capaz de jogar pelo simples, o São Paulo, infelizmente, não pode ser lugar para ele. E, se não pode ser lugar para ele, ele tem que ser cobrado. Mas ele não é.
Apesar disso, eu não demitiria Rogério Ceni tão facilmente. Não por acaso, só o trocaria se viesse um técnico que preze pela eficiência e não pelo estilo de jogo vistoso – e não qualquer um. As opções que sempre pensei, porém, foram contratadas por rivais. Odair Hellmann foi para o Santos, Eduardo Coudet está no Atlético Mineiro. Sendo assim, que Ceni fique. Mas que seja cobrado.
Pouco tenho a falar dos jogadores. Salvo raras exceções (como a partida tacanha de Patrick contra o Internacional no Morumbi e a desastrosa partida de Calleri contra o Independiente del Valle), acho que o elenco de 2022 foi bastante brioso em meio a um trabalho horrível da diretoria e cheio de percalços como o de Rogério Ceni.

Que 2023 seja melhor. Que não seja decepcionante e nem ruim.

Texto por: William Ferreira

Julia Robita

jornalista, são-paulina e meio aleatória. Gosto de falar sobre esportes, música e o que mais tiver

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